quinta-feira, 16 de junho de 2011

Gostava de olhar o mundo

Contava os dias para a liberdade. Mesmo sem saber se já estaria livre, mesmo sem sequer saber o que seria ela. Toda noite, naquele momento em que não se está nem dormindo nem acordado, pensava se as coisas não iam bem realmente. Talvez fosse frágil demais, talvez esperasse demais de tudo.
Essa contagem não era baseada no tempo convencional - aliás, nada na vida dele era convencional - de dias e horas. Era muito mais marcada pelo que sentia e pensava, de modo que um ano poderia caber em um dia ou uma hora se estender por uma longa semana. Como lidar com um presente que não acompanhou a prosperidade dos tempos de outrora?
Gostava de olhar o mundo. A rotina de sentar no café da esquina, pedir um expresso e ficar observando aquelas pessoas já havia virado uma espécie de ritual. Todos pareciam se afogar em problemas, ligações, na pressa. Ali pensava em todas as angústias que as coisas por fazer o faziam esquecer. Tinha que pensar nelas, mastigá-las, saboreá-las. Podia parecer masoquista, mas de outra forma não conseguiria se libertar. Era preciso para poder cuspí-las depois. Fingir que as amarguras não existiam era permitir que elas fossem se acumulando, aos poucos. Queria se livrar das coisas que não lhe fazia bem, e não seria fingindo que não existiam que conseguiria.
Foi nesse café que conheceu quem viria a ser o seu maior alicerce. Uma mulher que estava sempre ali, sempre só, sempre com um livro velho proveniente de algum sebo empoeirado. Mantinham uma relação invisível, contato visual. Sabe quando você olha pra alguém e percebe que ela também está te olhando? Pois é. Foi assim por semanas.
Num dia mais frio que o habitual, em que o café se mostrava um lugar bem mais atraente, ele sentou do lado dela. Simplesmente, sem nem entender o motivo. Toda sua vida foi movido por uma timidez que não permitia ações muito espontâneas e rápidas. Tudo sempre foi muito pensado antes de fazer, até aquele dia. Acho que alguma coisa o fez acreditar que teriam mais coisas em comum do que com o resto da humanidade. Foi estranho, até as reservas que ambos haviam criado no passado caírem. A partir dali foram mais inúmeros cafés, dezenas de discos ouvidos, alguns filmes, alguns livros trocados...
Agora os dois teriam com quem contar. Não sabiam ainda, mas teriam alguém para falar besteira num sábado entediado, desabafar quando o mundo estivesse um porre ou brigar (com a certeza que no outro dia tudo já estaria bem).
Sim, eles se amavam. E sim, eram "só" amigos. Que acho, inclusive, que é o maior laço que podemos criar com outra pessoa, livre das obrigações chatas dos outros tipos de relacionamento. Eram amigos, os maiores e melhores que o mundo já viu e verá.

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