sábado, 18 de junho de 2011

Carta

É, já faz um ano que não escrevo nada. Muita coisa mudou, mas ainda está tudo igual. Mudaram as pessoas que tenho que ver todo dia, a atendente daquele bar que a gente ia nas sextas e até o aquele meu jeito que você achava engraçado de amarrar o cadarço do all-star. O que resistiu a esse tempo? A mania de sempre sair de casa com um bloquinho e escrever as bobagens que penso na rua. Só que um pouco da graça desse hábito foi embora junto com você. Parte importante do ritual era chegar, te mostrar a “produção” do dia e agüentar seus deboches – dos quais sinto falta. Qualquer dia te mando as coisas que escrevi. Na verdade, é provável que não mande. Não saberia lidar com o fato de não conseguir ver as suas reações ao lê-las.
É estranho encontrar com seus amigos e não ter notícias suas pra dar. Não saber onde vive, com quem anda ou que tipo de música anda ouvindo. A propósito, distribui entre eles aquela coleção conjunta de vinis que tínhamos. Cada um mais lindo que o outro, cheios de histórias. Como aquele do Nirvana que você colocava pra ir animando a galera que ia lá em casa antes de parar em um boteco qualquer, ou aquele do Chico Buarque que já deveria estar cansado de embalar as tardes preguiçosas de domingo. Dei todos. Entenda, era difícil ter que olhar e lembrar de tudo que não vai acontecer de novo.
Deve estar estranho eu ter digitado isso, logo eu, o “ultrapassado averso a qualquer tipo de avanço tecnológico”. Pois é, aprendi que nas horas de solidão esses avanços servem pra te enganar e te iludir a respeito dessa condição. Me fazem não me sentir só, apesar de estar.
É isso, agora vou ter que sair e fingir que nada está acontecendo, que eu não estou com saudade e que talvez você volte. Ou me responda pela primeira vez.
Estou bem, até mais.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Ao som de um velho rock.

Quando a vontade de conhecer os cantos mais escuros, as pessoas mais hedonistas, os sabores mais exóticos crescerem na mesma proporção que a lua.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

Quando os sentidos já estiverem sendo enganados pelo efeito de um vinho barato e o trapézio já não for mais capaz de te dar equilíbrio.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

Quando o que se sente e pensa não conseguir acompanhar o que se vive, por se sentir ou pensar muito alto ou por viver muito baixo.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

Na noite mais fria, no dia mais quente, na madrugada mais perturbadora.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

Se o mais velho amigo te abandonar ou o amor platônico se declarar.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

Quando a agulha da vitrola quebrar ou bateria do iPod acabar. Quando for preciso cantar desafinado para passar o tempo.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

Quando a fome de novidade ficar tão forte a ponto de te fazer esquecer da rotina e fazer coisas que nunca imaginou fazer.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

Se, algum dia, quiser alguém para falar importantes coisas inúteis, para ouvir aquele novo disco do passado ou debochar dos problemas do mundo.
                       Vem comigo ao som de um velho rock

Na véspera de uma viagem, num dia de liberdade, na pior sarjeta da cidade. No céu diário ou no caos do noticiário.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

No dia que a solidariedade for crime, a tolerância não existir e isso incomodar você.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

Quando estiver alegre, triste, cansada, no melhor estilo sex, drugs and rock n' roll, caseira, boêmia. Se o riso ou a lágrima escorrerem fácil.
                       Vem comigo ao som de um velho rock.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Gostava de olhar o mundo

Contava os dias para a liberdade. Mesmo sem saber se já estaria livre, mesmo sem sequer saber o que seria ela. Toda noite, naquele momento em que não se está nem dormindo nem acordado, pensava se as coisas não iam bem realmente. Talvez fosse frágil demais, talvez esperasse demais de tudo.
Essa contagem não era baseada no tempo convencional - aliás, nada na vida dele era convencional - de dias e horas. Era muito mais marcada pelo que sentia e pensava, de modo que um ano poderia caber em um dia ou uma hora se estender por uma longa semana. Como lidar com um presente que não acompanhou a prosperidade dos tempos de outrora?
Gostava de olhar o mundo. A rotina de sentar no café da esquina, pedir um expresso e ficar observando aquelas pessoas já havia virado uma espécie de ritual. Todos pareciam se afogar em problemas, ligações, na pressa. Ali pensava em todas as angústias que as coisas por fazer o faziam esquecer. Tinha que pensar nelas, mastigá-las, saboreá-las. Podia parecer masoquista, mas de outra forma não conseguiria se libertar. Era preciso para poder cuspí-las depois. Fingir que as amarguras não existiam era permitir que elas fossem se acumulando, aos poucos. Queria se livrar das coisas que não lhe fazia bem, e não seria fingindo que não existiam que conseguiria.
Foi nesse café que conheceu quem viria a ser o seu maior alicerce. Uma mulher que estava sempre ali, sempre só, sempre com um livro velho proveniente de algum sebo empoeirado. Mantinham uma relação invisível, contato visual. Sabe quando você olha pra alguém e percebe que ela também está te olhando? Pois é. Foi assim por semanas.
Num dia mais frio que o habitual, em que o café se mostrava um lugar bem mais atraente, ele sentou do lado dela. Simplesmente, sem nem entender o motivo. Toda sua vida foi movido por uma timidez que não permitia ações muito espontâneas e rápidas. Tudo sempre foi muito pensado antes de fazer, até aquele dia. Acho que alguma coisa o fez acreditar que teriam mais coisas em comum do que com o resto da humanidade. Foi estranho, até as reservas que ambos haviam criado no passado caírem. A partir dali foram mais inúmeros cafés, dezenas de discos ouvidos, alguns filmes, alguns livros trocados...
Agora os dois teriam com quem contar. Não sabiam ainda, mas teriam alguém para falar besteira num sábado entediado, desabafar quando o mundo estivesse um porre ou brigar (com a certeza que no outro dia tudo já estaria bem).
Sim, eles se amavam. E sim, eram "só" amigos. Que acho, inclusive, que é o maior laço que podemos criar com outra pessoa, livre das obrigações chatas dos outros tipos de relacionamento. Eram amigos, os maiores e melhores que o mundo já viu e verá.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Quando não existe o errado

Você não pode dizer qual o melhor jeito de passar esse tempo entre o nascimento e a morte, ninguém pode. A única coisa que você pode fazer é escolher um caminho, um modo de vida, uma ideologia, e seguir convicto. O tempo responde as incertezas, as inseguranças. Tenho uma leve suspeita sobre o que ele vai responder, quando os anos já tiverem em número suficiente. Ele vai sussurrar no seu ouvido "não existe estrada errada, existe incredulidade na que escolheu". E isso o calor de estar no olho do furacão não deixa a gente enxergar.
As noites meio bêbadas viradas com uns poucos e bons, os livros lidos várias vezes e reinterpretados tantas outras e as músicas que se tornam hinos de momentos que passamos não permitem que ninguém questione a validade dos equívocos cometidos. Saber lidar com o inferno e céu de todos os dias não faz com que eles sejam só céu, mas evita que sejam só inferno.
Ela vive o agora. Leva o hedonismo às últimas consequências e não faz planos que envolvam mais tempo que uma semana. Vai em todos os lugares e não tem preconceitos em conhecer todo tipo de gente. Come demais, bebe excessivamente. Não dorme nada ou dorme muito. Vai tanto em show internacionais como fica batendo papo na esquina.
Ele colocou o futuro dentro de um cofre e protege ele arduamente. Fica em casa quando sabe que tem prova no outro dia. Acorda cedo e caminha pra se manter saudável. Reserva seu dinheiro para imprevistos futuros. Não lembra do passado, vive o presente pra ter algum futuro. Pergunta o que é Carpe Diem.
Quem está certo? Ou melhor, tem alguém errado? Acho que não.