terça-feira, 19 de outubro de 2010

Descriminalizar?

Sempre fui averso a ideia de descriminalizar o aborto. Pensava que isso seria compactuar com a irresponsabilidade e indiferença com a vida. Mas penso diferente hoje.
Descriminalizar o aborto não significa promover o aborto, mas significa perceber que a via penal não é a melhor forma de tratar a questão. Mulheres e casais com condições econômicas razoáveis não sofrerão riscos à saúde tampouco o julgamento moral da sociedade, uma vez que isto será feito no silêncio do mundo privado. Apenas para constar: um aborto clandestino feito com segurança varia, em média, de R$ 1.500 a R$ 4.000 reais. Segundo dados do Dossiê Aborto de 2005 esta é a 5ª causa de morte materna no Brasil. Ademais, conforme dados do SUS, são cerca de 238 mil curetagens decorrentes de aborto por ano, cada uma ao custo médio de R$ 125,00; ficaram daí excluídos, por exemplo, os custos com internações por período superior a 24 horas, os gastos com UTI e os recursos necessários ao atendimento de seqüelas decorrentes do aborto clandestino. O risco é que a hipocrisia das nossas práticas se sobrepunha à capacidade de analisar o problema com praticidade e bom senso.
Eu não acho que o aborto deva ser utilizado como método contraceptivo – mas não é por isso que ele deve ser proibido. A solução é orientar a população menos informada e menos privilegiada, explicando que pílula anticoncepcional e camisinha (assim como outros métodos menos populares de contracepção) são a melhor solução para o caso. Vai demorar ? Vai. Mas não é negando um direito que você vai conscientizar as pessoas, e só a legalização vai permitir esclarecimento e debate. Não nos esqueçamos: não dá pra fazer uma ampla conscientização de algo que é tabu e proibido. A população deve ser educada a respeito, os aspectos morais devem ser divulgados. Um povo consciente sabe o que fazer, independente de qualquer lei. A criminalização do aborto não evita o aborto, mas tão-somente obriga a mulher a realizá-lo na clandestinidade. As ricas pagando um alto preço pelo sigilo e segurança do procedimento e as pobres relegadas à própria sorte, em um oceano de desinformação e preconceito.
O debate sobre a descriminalização do aborto não é sobre o direito ou não de a gestante abortar, mas sobre o direito ou não de a gestante ter auxílio médico para abortar. A Constituição brasileira garante em seu artigo 226, §7º, que “o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.
Os abortos acontecem e acontecerão, com ou sem a criminalização, pois nenhuma lei conseguirá constranger uma mulher a ter um filho contra sua vontade. Não é um fato que agrade à mulher que se submete a ele, ao Estado, ou a quem quer que seja. Mas acontece.
Cabe ao Estado legalizar a prática e evitar os males maiores que são consequências dos abortos realizados sem assistência médica: os danos à saúde ou mesmo a morte da mulher. Talvez esta mudança na lei não faça muita diferença para os homens ou para as mulheres ricas que não sentem na pele as consequências de sua criminalização; mas para as mulheres pobres esta seria a única lei que, de fato, poderia ser chamada de pró-vida.
E Tenho dito. Essa, como muitas outras questões, estão sendo tratadas superficialmente, sem enxergar as verdadeiras razões, para buscar as soluções mais certas. Não sou a favor do aborto, sou a favor da descriminalização dele. Basearmos-nos na hipocrisia não nos levará a lugar algum...
(aberto a ideias, para, quem sabe, mudar de opinião)

sábado, 2 de outubro de 2010

Muito mais que uma bandeira

A expressão desenvolvimento sustentável surgiu no final dos anos 70 e tem seu auge atualmente. Serviu e serve para os mais diversos fins, designando desde crescimento econômico constante e duradouro até empreendimentos que têm algum tipo de preocupação com a questão ambiental.
A idéia seria uma forma de avançar suprindo as necessidades da geração atual, mas sem prejudicar as gerações ainda por vir. Mas "desenvolvimento" significa atualmente pelo menos manter os padrões atuais de crescimento da economia, ou aumentá-los. E como fazer isso sem destruir, sem derrubar mais matas, sem poluir os rios, sem criar novos aterros sanitários e lixões? A sociedade digital em que estamos inseridos propõe criar máquinas cada vez mais sofisticadas e ecológicas que mantenham a escalada do nosso padrão de consumo. Mas como consumir mais se já ultrapassamos em mais de 20% a capacidade de reposição dos sistemas ecológicos? Como crescer para sempre? Crescer para quê? Para quem? São questões importantes.
Consumir é um imperativo dos nossos tempos, se não o consumo desenfreado das elites mundiais, o desejo de comprar impulsionado pelo poder da mídia, que manipula a cultura de maneira cada vez mais eficiente e impõe padrões de consumo insustentáveis. Frei Betto afirmou em uma conferência que a televisão vende os olhos dos espectadores por 15 ou 30 segundos, que têm a ilusão de não pagar nada pelo serviço. Dominados pela TV e pela internet os seres humanos, amedrontados nas suas casas, acreditam que desenvolvimento é ter cada vez mais, sem nenhum limite, viajar pelo espaço, não envelhecer nunca, ter do bom e do melhor, se entorpecer todo o dia. Desenvolver é não ver, deixar de envolver-se com a vida.
Vivendo em ambientes cada vez mais alheios à vida, o ser humano, solitário no mundo virtual, dificilmente compreenderá o complexo processo que fez com que cada item que consome e descarta chegue à sua frente. Ele prefere o conforto de banhos demorados, beber água em copos descartáveis, queimar toneladas de combustível fóssil para se aquecer e se mover. Amparado por uma tecnociência que acredita dominar a natureza, o ser humano se achou protegido e poderoso. Não quer mudar, mesmo sabendo que está minando a si próprio e que a necessidade primordial é viver em paz, ser feliz, sentir e aprender com a vida. Mais do que nunca precisa compreender e viver segundo os ciclos interiores e padrões cada vez mais harmônicos, conectados com os grandes ciclos naturais. Cada vez há mais evidência que desenvolvimento e sustentabilidade não são compatíveis, ou seja, não é desenvolvimento que o ser humano precisa.
Sustentabilidade é um dos princípios dos ecossistemas naturais, e revela-se como um caminho no qual andamos e aprendemos. Não há como pensar a educação do futuro sem incluir a percepção de como os ecossistemas naturais são naturalmente sustentáveis. Segundo Fritjof Capra (2003) "não há lixo no ambiente natural, o lixo de uma espécie é o alimento da outra" e portanto a energia flui através de ciclos que são fechados.
A sustentabilidade pode ser percebida em sua dimensão ecológica que mede a pegada de cada ser humano na Terra, o impacto de cada indivíduo junto às dádivas naturais, cálculo que é feito de diversas formas, nunca de forma muito precisa pela incapacidade que os cientistas têm em lidar com a complexidade das questões ecológicas. Por outro lado, a sustentabilidade também pode ser pensada no aspecto econômico: o que é uma economia sustentável? O trabalho realizado por Paul Singer é notável, buscando incansavelmente a sustentabilidade das relações econômicas, incluindo a solidariedade como valor econômico fundamental. Ele afirma que "para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva" (Singer, 2002) A economia torna-se sustentável na medida em que se ecologiza, quando avançam os trabalhos de cooperativas e bancos populares, bem como as feiras de troca e grupos de consumo solidários e éticos.
A sustentabilidade pode ser apreendida em múltiplos ângulos. Olhar para a sustentabilidade social é perceber como é a distribuição de renda, bem-estar, afeto, relacionamentos, oportunidades. Pensar a sustentabilidade política é perceber a divisão e participação de toda a sociedade no poder. Sustentabilidade cultural se relaciona com o direito à diversidade cultural, o diálogo que se abre entre as manifestações culturais. O que une todas as visões de sustentabilidade são os valores humanos fundamentais de uma nova percepção ética, a cooperação, a solidariedade, o cuidado, o respeito, a integridade.
Como sustentabilidade é um processo utópico nunca acaba o caminho. E esse caminhar pressupõe muitos aprendizados na vida cotidiana, que possam repensar hábitos poluidores ou comportamentos irresponsáveis e agressivos. A transformação que Gaia implora para a humanidade é de visão de mundo e de ações no planeta. Transformar é viver processos ecopedagógicos.
A vida é uma grande escola e para colocar a educação dentro de um contexto ecológico nasceu a ecopedagogia no fim dos anos 90. Segundo Francisco Gutiérrez (1999):
Somos essencialmente nossa vida cotidiana... e a vida cotidiana é o lugar do sentido e das práticas de aprendizagem produtiva. A ampliação da consciência ambiental - capaz de contribuir para mudar valores e atitudes, acarretando alterações no modelo de desenvolvimento econômico predatório e nas políticas públicas do Brasil - só pode ser gerada como fruto de um amplo processo de transformação sociocultural. No plano nacional, é preciso manter e aprofundar a política nacional de educação ambiental, buscando contribuir para a necessária inflexão sociocultural, que enseje um conjunto de mudanças capazes de levar a um novo paradigma de desenvolvimento. São esses desafios que se impõem ao nosso tempo como compromissos inadiáveis.
Enquanto desenvolvimento sustentável for simplesmente discurso eleitoral ou restrito as camadas mais instruídas, seu conceito não será pleno. Crescer sim, porém sem destruir. E tenho dito.
A propósito, voto Marina Silva, grande defensora legítima da causa, entre outras.

(colaboração Gulherme B. e Patricia A.)